As festas juninas refletem também a
maneira que o meio urbano assimila o homem do campo, isto é, como as
pessoas da cidade pensam ser o meio rural e as características daqueles
que vivem no campo.
Muitas vezes, a representação
desses valores demonstra muitos equívocos e preconceitos. Quem disse que
o caipira usa roupas remendadas para ir à festa? De onde vem a idéia de
que o matuto, quando sai a passeio, usa chapéu de palha e ainda por
cima todo desfiado? De onde vem o conceito de que aquele que mora no
campo fala errado?
Essa imagem carregada de
contradições e preconceitos teve origem no século XIX, quando o
desenvolvimento industrial melhorou a qualidade de vida nas cidades e
desencadeou o êxodo rural. A vida no campo passou a ser vista como uma
imagem decadente e o homem do campo passou a ser símbolo do atraso, da
pobreza, da ignorância.
Com o advento do café, a partir
de 1870, e com a vinda dos imigrantes italianos (que muito contribuíram
para esse sucesso econômico), um forte sentimento nacionalista emergiu e
a imagem do homem do campo começou a ser resgatada. O caipira passa a
aparecer como personagem principal das narrativas literárias. Retoma-se
os valores da terra e abre-se novamente o espaço ao jeito caipira de
ser.
Nossas crianças podem perceber
essas características nos romances de escritores brasileiros da época,
como Bernardo Guimarães, por exemplo.
AFINAL, O QUE É SER CAIPIRA?
Os próprios dicionários, muitas
vezes, incorporam os valores sociais que inserem novos significados às
palavras. É preciso estar atento para identificar as conceituações
preconceituosas apresentadas em alguns "pais dos sábios".
Caipira é o "habitante do campo ou da roça, próprio do mato". "Matuto". "Sertanejo". Mas há também outros significados: "pessoa tímida, acanhada, desconfiada"; ou "sujeito ignorante e ingênuo".
Convém lembrar que a ignorância é: "Condição
de quem não é instruído; falta de saber, ausência de conhecimentos;
estado de quem ignora ou desconhece alguma coisa, não tem conhecimento
dela."
Quando um dicionário explica que "caipira é o habitante da roça, especialmente os de pouca instrução..." (grifo nosso), cuidado! A incorporação desse significado pode estar refletindo e reproduzindo estigmas!
Vale a pena enriquecer esta reflexão com o poema "Resposta do Jeca Tatu", de Catullo da Paixão Cearense.
A
vestimenta do caipira é outro assunto que precisa ser desmistificado: o
homem do campo veste a sua melhor roupa para ir à festa. Os remendos
são feitos na roupa usada para o trabalho duro no campo, onde muitas
vezes o tecido se rasga e é preciso remendar, cerzir. É claro que,
antigamente, não se comprava roupas com a mesma facilidade que se compra
hoje em dia. Era mais difícil ir à cidade. O dinheiro da colheira vinha
uma ou duas vezes por ano, quando a safra não se perdia pela estiagem,
ou pelo excesso de chuva ou ainda por pragas da lavoura.
Os tecidos vinham em fardos,
muitas vezes comprados de viajantes, os chamados "mascates", e com esse
mesmo tecido se confeccionava roupas para toda a família. É muito comum
encontrarmos em fotografias antigas todos os filhos de um casal com
roupas de um mesmo tecido (eis aqui uma oportunidade para o professor de
História desenvolver alguns temas, pedindo para que os alunos tragam
fotografias antigas da família).
Um traje de festa era feito
especificamente para festa e era repetido muitas vezes, deveria durar
muito tempo e passava de irmão para irmão. As crianças cresciam, os
adultos engordavam e aquele traje ia ficando curto, apertado... esta é a característica do traje caipira de festa.
O chapéu de palha servia para o
trabalho na roça. O chapéu de feltro ou Panamá era usado para ir à
missa, para o passeio. Quem se lembra do pai ou do avô chegando em um
ambiente e permanecendo de chapéu? Nunca! Era sinal de respeito retirar o
chapéu ao chegar e ao cumprimentar as pessoas. Portanto, na festa, o
caipira usa o chapéu no momento da quadrilha, por causa do cumprimento.
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