Inspirei-me no educador Paulo Freire (1921–1997) para escrever este
texto. Paulo Freire nos fala, em Pedagogia da Autonomia, seu último
livro, da “boniteza de ser gente”, da boniteza de ser professor:
“Ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e
da alegria”.
Paulo Freire chama a atenção para a essencialidade do componente
estético da formação do educador. Por isso, coloquei um título que fala
de sonho e de sentido. “Sentido quer dizer caminho não percorrido”, mas
que se deseja percorrer; portanto, significa projeto, sonho, utopia.
Aprender e ensinar com sentido é aprender e ensinar com um sonho na
mente; e a pedagogia deve servir de guia para realizar esse sonho.
Paulo Freire, em 1980, logo após voltar de dezesseis anos de exílio,
reuniu-se com um grande número de professores em Belo Horizonte, Minas
Gerais. Falou-lhes de esperança, de “sonho possível”, temendo por
aqueles e aquelas que “pararem com a sua capacidade de sonhar, de
inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar”; aqueles e aquelas
que, “em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo
profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, em lugar
dessa viagem constante ao amanhã, atrelem-se a um passado de exploração e
de rotina”.
Em 1997, dezessete anos depois, em Pedagogia da Autonomia, lançado três
semanas antes de seu falecimento, Paulo Freire se mantinha fiel à mesma
linha de pensamento, reafirmando o sonho e a utopia diante da “malvadez
neoliberal”, diante do “cinismo de sua ideologia fatalista e da sua
recusa inflexível ao sonho e à utopia”. Denúncia de um lado, anúncio de
outro: a sua pedagogia da autonomia frente à pedagogia neoliberal.
Lembrando os dez anos da morte de Paulo Freire neste pequeno
artigo-livro, quero retomar o que ele disse e entender o seu significado
no contexto de hoje. Paulo Freire nos falava da “boniteza do sonho de
ser professor” de tantos jovens desse planeta. Se o sonho puder ser
sonhado por muitos, deixará de ser um sonho e se tornará realidade.
A realidade, contudo, é muitas vezes bem diferente do sonho. Muitos de
meus alunos e minhas alunas, seja na pedagogia ou na licenciatura, não
pensam em se dedicar às salas de aula. Muitos revelam desinteresse em
seguir a carreira do magistério, mesmo estando num curso de formação de
professores. Pesam muito nessa decisão, as condições concretas do
exercício da profissão. Preparam-se para um ofício e vão exercer outro.
No Brasil, o professor é desvalorizado. Há um ditado popular conhecido:
“Quem sabe faz, quem não sabe ensina”. É sinistro. Essa destruição da
imagem do professor custará muito caro, dizia já em 1989 o jornalista
Leonardo Trevisan: “Todos dizem que gostam muito dos professores, mas
não chegam a incomodar-se muito com o fato de que há tempos eles recebem
um salário de fome. O salário é a parte mais visível de uma condição —
da qual decorre um papel social que se descaracterizou por completo...
Só quem não quer ver não percebe o sentimento de cansaço, de esgotamento
de expectativas de quem encarava com dignidade o seu desempenho
profissional”.
A situação vem se arrastando há anos. Em 45 anos de magistério, não
tenho visto grandes melhorias. Ao contrário, ouço muitas promessas. As
melhorias existem aqui e acolá, mas são pontuais e localizadas — servem
apenas de exemplo —; são conjunturais, e não estruturais; são
provisórias, passageiras, e não permanentes. Correspondem a uma política
de governo, e não a uma política pública de Estado. Por isso, continuo
me questionando: “Por que sou professor?”. Uma pergunta que ouço com
frequência também entre meus pares.
A resposta talvez possa ser encontrada numa mensagem deixada por um
prisioneiro de campo de concentração nazista, na qual, depois de viver
todos os horrores da guerra — “crianças envenenadas por médicos
diplomados; recém- -nascidos mortos por enfermeiras treinadas; mulheres e
bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades”
—, ele pede aos professores que “ajudem seus alunos a tornarem-se
humanos”, simplesmente humanos. E termina: “Ler, escrever e aritmética
só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas”.
Talvez esteja aí a chave para entender a crise que vivemos: perdemos o
sentido do que fazemos, lutamos por salários e melhores condições de
trabalho sem esclarecer à sociedade sobre a finalidade de nossa
profissão, sem justificar por que estamos lutando.
O que me leva agora a escrever este artigo-livro é justamente esse
imperativo histórico e existencial que me obriga a colocar a questão do
sentido que estou fazendo. Qual é o papel do educador na escola, na
Educação? O que um professor pode fazer, o que ele deve fazer, o que é
possível fazer?
Em inúmeras conferências que tenho feito a professores e professoras,
por este país e fora dele, apesar de constatar um grande mal-estar entre
os docentes — misturado a decepção, irritação, impaciência, ceticismo,
perplexidade —, paradoxalmente, existe ainda muita esperança. A
esperança ainda alimenta essa profissão. Há uma ânsia por entender
melhor por que está tão difícil educar hoje, fazer aprender, ensinar;
ânsia para saber o que fazer quando todas as receitas governamentais já
não conseguem responder. A maioria dessas professoras — as mulheres são
quase totalidade —, com a diminuição drástica dos salários, com a
desvalorização da profissão e com a progressiva deterioração das
escolas, procura cada vez mais cursos e conferências para obter uma
resposta que não encontraram nem na sua formação inicial nem na sua
prática atual.
Entretanto, poucas são as vezes em que essas professoras encontram
respostas nesses cursos. Quase sempre, ou encontram receitas
tecnocráticas que causam ainda maior frustração ou encontram
profissionais da “pedagogia da ajuda”, que encantam com suas belas e
sedutoras palavras, fazem rir enormes plateias numa catarse coletiva. As
educadoras voltam mais vazias do que entraram depois de assistirem ao
show desses falsos pregadores da palavra. Voltam com as mesmas
perguntas: “O que estou fazendo aqui?”, “Por que não procuro outro
trabalho?”, “Para que sofrer tanto?”, “Por que, para que ser
professor?”.
Se, de um lado, a transformação objetiva nas condições das nossas
escolas não depende apenas da nossa atuação como profissionais da
Educação, de outro lado, creio que, sem uma mudança na própria concepção
desse ofício, essa transformação não ocorrerá tão cedo. Enquanto não
construirmos um novo sentido para a nossa profissão, sentido esse que
está ligado à própria função da escola na sociedade aprendente, esse
vazio, essa perplexidade, essa crise deverão continuar.
Em sua essência, ser professor hoje não é mais fácil do que era há
algumas décadas. É diferente. Diante da velocidade com que a informação
se desloca, envelhece e morre; diante de um mundo em constante mudança, o
papel do professor vem mudando, se não na essencial tarefa de educar,
pelo menos na tarefa de ensinar, de conduzir a aprendizagem, e na sua
própria formação, que se tornou permanentemente necessária.
As novas tecnologias criaram novos espaços do conhecimento. Agora, além
da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social
tornaram-se educativos. Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois
podem, de lá, acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a
distância, buscar “fora” — na informação disponível nas redes de
computadores interligados — serviços que respondam às suas demandas de
conhecimento. Por outro lado, a sociedade civil (ONGs, associações,
sindicatos, igrejas, etc.) está se fortalecendo, não apenas como espaço
de trabalho, mas também como espaço de difusão e de reconstrução de
conhecimentos.
Na formação continuada, necessita-se de maior integração entre os
espaços sociais (domiciliar, escolar, empresarial), visando a preparar o
aluno para viver melhor na sociedade do conhecimento. Como previa
Herbert Marshall McLuhan (1911–1980), na década de 1960, o planeta
tornou-se nossa sala de aula e nosso endereço. O ciberespaço rompeu com a
ideia de tempo próprio para aprendizagem. O espaço da aprendizagem é
aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre.
Hoje, vale tudo para aprender. Isso vai além da “reciclagem” e da
utilização de conhecimentos e muito mais além da assimilação de
conhecimentos. A sociedade do conhecimento é uma sociedade de múltiplas
oportunidades de aprendizagem. As consequências para a escola, para o
professor e para a Educação em geral são enormes: ensinar a pensar;
saber comunicar-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico; fazer
síntese e elaborações teóricas; saber organizar o seu próprio trabalho;
ter disciplina para o trabalho; ser independente e autônomo; saber
articular o conhecimento com a prática; ser aprendiz autônomo e a
distância.
Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento
diante do aluno, que é o sujeito da sua própria formação. Não confundir
“mediador” com “facilitador”. As máquinas, os meios, os computadores são
facilitadores. O professor é um dirigente. Mais do que um facilitador, é
um problematizador; sua função é político-pedagógica. O aluno precisa
construir e reconstruir conhecimentos a partir do que faz. Para isso, o
professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e
apontar novos sentidos para o que fazer dos seus alunos. Ele deixará de
ser um “lecionador” para ser um organizador do conhecimento e da
aprendizagem.
Em resumo, poderíamos dizer que o professor se tornou um aprendiz
permanente, um construtor de sentidos, um cooperador e, sobretudo, um
organizador da aprendizagem. Se falamos do professor de adultos e do
professor de cursos a distância, esses papéis são ainda mais relevantes.
De nada adiantará ensinar se os alunos não conseguirem organizar o seu
trabalho, se não forem sujeitos ativos da aprendizagem,
autodisciplinados, motivados.
“Ser professor não será um ofício em risco de extinção?”, pergunta-se
Luiza Cortesão. Sim, um certo professor está em risco de extinção. O
funcionário da eficácia e da competitividade pode existir, mas terá se
demitido da sua função de professor. Diz ela que há hoje uma evidente
contradição entre o professor “em branco e preto”, o professor
“monocultural” — bem-formado, seguro, claro, paciente, trabalhador e
distribuidor de saberes, eficiente, exigente — e o professor
“intermulticultural”, que não é um “daltônico cultural”; que se dá conta
da heterogeneidade; é capaz de investigar, de ser flexível e de recriar
conteúdos e métodos; é capaz de identificar e analisar problemas de
aprendizagem e de elaborar respostas às diferentes situações educativas.
Um não se pergunta por que ser professor. Simplesmente cumpre ordens,
currículos, programas, pedagogias. Outro questiona-se sobre seu papel.
Um está concentrado nos conteúdos curriculares, e outro no sentido do
seu ofício. Sim, um certo professor está em risco de extinção. E isso é
muito bom. — O que é ser professor hoje?
— Ser professor hoje é viver intensamente o seu tempo com consciência e
sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem
educadores.
Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação
em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas.
Diante dos falsos pregadores da palavra, dos marqueteiros, eles são os
verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de que nos falava
Sócrates. Eles fazem fluir o saber — não o dado, a informação, o puro
conhecimento — porque constroem sentido para a vida das pessoas e para
humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais
saudável para todos.
Por isso, eles são imprescindíveis.
Fonte: GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: Ensinar-e-aprender com
sentido. São Paulo: Livraria e Instituto Paulo Freire, 2008.